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7 mulheres que quebraram barreiras seculares no Vaticano de Francisco

Quando em janeiro deste ano, a Irmã Simona Brambilla assumiu o cargo de prefeita do Dicastério para Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, a ex-enfermeira e missionária em Moçambique não apenas subiu ao posto mais alto já ocupado por uma mulher no Vaticano.

Brambilla se tornou símbolo, em uma das últimas e mais emblemáticas ações do Papa Francisco, do projeto que o sacerdote conduziu ao longo de seu papado, para transformar e ampliar a presença feminina na Igreja Católica.

“Hoje estou aqui não apenas como religiosa, mas como símbolo de todas as mulheres que servem à Igreja diariamente.”, declarou a freira à época de sua posse, vom a voz embargada.

Em doze anos de papado, Francisco elevou a participação feminina na força de trabalho vaticana de 19,2% para 23,4%, segundo dados oficiais da Santa Sé divulgados pela Vatican News.

A nomeação, que veio apenas três meses antes do falecimento do pontífice, coroou uma década de mudanças sutis, porém profundas, na estrutura de poder da Igreja, historicamente dominada por homens.

Pioneiras de Francisco

Em um recente artigo para o site The Conversation, Bronagh Ann McShane, pesquisadora da Trinity College Dublin especializada em história das mulheres e religião, trouxe uma interessante análise sobre a jornada empreendida pelo papo.

“Estas escolhas têm uma característica comum: desafiam convenções enraizadas que por séculos reservaram o poder decisório da Igreja apenas aos homens”, escreveu.

Outro exemplo que ilustra a estratégia é a nomeação da Irmã Raffaella Petrini, que em 2022 tornou-se secretária-geral do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano, cargo tradicionalmente ocupado por bispos.

Como governadora, Petrini administra hoje toda a infraestrutura, instituições e operações diárias da cidade-estado, uma responsabilidade sem precedentes para uma mulher na história da Igreja.

O caminho havia sido preparado por Barbara Jatta, que em 2016 se tornou a primeira diretora dos Museus do Vaticano, e se ampliou com a nomeação de Irmã Nathalie Becquart como subsecretária do Sínodo dos Bispos em 2021 — a primeira mulher com direito a voto nesse importante fórum.

Completando o círculo de influência feminina, a espanhola Irmã Carmen Ros Nortes atua como subsecretária no mesmo dicastério agora liderado por Brambilla. Religiosa das Irmãs de Nossa Senhora da Consolação, ela supervisiona questões relacionadas à vida consagrada feminina desde 2018.

“Minha nomeação não é um favor às mulheres, mas um reconhecimento de competências”, declarou a espanhola ao assumir o posto.

O panorama de mudanças ganhou novo impulso em 2022, quando várias mulheres, incluindo María Lía Zervino, ex-presidente da União Mundial das Organizações Femininas Católicas, foram nomeadas para o Dicastério para os Bispos, concedendo-lhes voz na seleção das novas lideranças episcopais mundiais.

“A nomeação para o Dicastério dos Bispos foi especialmente significativa porque toca no coração da escolha de lideranças da Igreja”, afirmou à Reuters o próprio Francisco, em 2022. “Dessa forma, as coisas estão se abrindo um pouco.”

A Amiga do Papa: Uma Relação que Quebrou Protocolos

Enquanto essas nomeações oficiais modificavam a estrutura eclesiástica, uma relação pessoal capturou a atenção do mundo católico: a amizade entre Francisco e a Irmã Genevieve, freira francesa de 82 anos.

Na semana passada, imagens dela rezando próxima ao corpo do papa na Basílica de São Pedro — quebrando rígidos protocolos vaticanos — emocionaram fiéis ao redor do mundo.

A história da amizade nasceu de uma tragédia. Genevieve conheceu o então bispo de Buenos Aires há duas décadas, quando procurava justiça para sua tia, Leonie Duquet, freira francesa assassinada pela ditadura argentina em 1977 nos infames “voos da morte”.

Inicialmente, Genevieve não se impressionou com Jorge Bergoglio. “Chorei quase sem parar durante a missa… Não conseguia aceitar que parte da Igreja havia apoiado a ditadura”, relatou a freira em um vídeo, onde falava sobre o funeral de sua tia, Leonie Duquet, que ocorreu em 2005.

A relação floresceu após a eleição papal. Durante a pandemia, a irmã Genevieve tornou-se ponte entre o pontífice e grupos marginalizados. Na época, levava semanalmente pessoas LGBTQ+ para encontros com o papa.

“Sempre escrevia para ele uma pequena mensagem dizendo quem estava vindo”, contou à agência francesa France24.

Escolhendo as batalhas menores

“A Igreja é mulher, é mãe, é esposa”, repetia Francisco em seus discursos. Contudo, apesar do relevante avanço, manteve posições tradicionais em questões essenciais como a ordenação feminina como padres e diáconas.

Embora tenha sido o primeiro papa a mostrar consciência de que a Igreja sofre de um desequilíbrio flagrante entre homens e mulheres, parece ter escolhido responder a essa injustiça fazendo nomeações individuais.

Houve ainda tentativas de comissões papais, como a instituída sobre mulheres diáconas, criada em 2016, dedicada a pesquisar se mulheres haviam sido ordenadas diaconisas nos primórdios da Igreja, conforme mencionado na Bíblia.

A iniciativa resultou em um relatório nunca divulgado publicamente. Como justificativa, Francisco afirmou que o grupo não chegou a um consenso – declaração contestada por alguns membros, conforme reportagem da CNN.

Uma segunda comissão foi instituída em 2020 e, em 2024, o Vaticano anunciou que retomaria seus trabalhos. No entanto, o pontífice repetidamente reafirmou que a ordenação sacerdotal permaneceria “reservada aos homens”.

“O debate vivo sobre o papel das mulheres talvez seja a mudança mais impactante do pontificado de Francisco”, avalia a Irmã Christine Schenk, freira americana e fundadora do grupo internacional FutureChurch, em declaração à CNN.

“Anteriormente, o Vaticano hesitava até mesmo em usar as palavras ‘mulheres’ e ‘ministério’ na mesma frase. Agora, essas questões são discutidas abertamente.”

O Futuro da Revolução Silenciosa

A professora Phyllis Zagano, da Universidade Hofstra, que integrou a primeira comissão sobre diaconisas, acredita que Francisco “tentou lidar com séculos de misoginia que compreenderam mal o papel das mulheres na Igreja e na sociedade”, segundo declarou à CNN.

Para ela, “o processo sinodal que ele iniciou buscou afastar a Igreja de uma perspectiva exclusivamente masculina“.

Com o próximo conclave se aproximando — onde apenas cardeais homens votarão para escolher o sucessor de Francisco — paira a dúvida sobre a continuidade dessas mudanças.

A revolução silenciosa das mulheres no Vaticano, construída paciente e gradualmente ao longo de doze anos, agora enfrenta seu maior teste: sobreviver além de seu arquiteto.

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