É possível parar de fumar fumando? Ou pelo menos mitigar os efeitos causados pelo consumo de nicotina? É isso que afirma a Philip Morris, maior fabricante transnacional de produtos de tabaco do mundo, que levou jornalistas do mundo todo até a Suíça e a Itália para entender como funcionam suas soluções para diminuir os danos à saúde causados pelo hábito de fumar.
Fabricante de marcas extremamente populares de cigarros, como Marlboro, L&M, Chesterfield e Parliament, a Philip Morris International (PMI) tem investido pesadamente em alternativas para quem fuma na forma de dispositivos eletrônicos “sem fumaça”, que trocam a combustão do tabaco pelo aquecimento e vaporização, além dos pouco conhecidos sachês de nicotina.
Mas como esses produtos funcionam? E será mesmo que essas alternativas são um caminho viável para o problema do tabagismo?

Mais vapor, menos fumaça
Segundo os porta-vozes da empresa, a grande diferença para a saúde, que pode reduzir de 95% a 99% o dano do cigarro, é a ausência da combustão. Quando o tabaco de um cigarro é queimado, a fumaça inalada contém, além da nicotina presente naturalmente na planta, uma infinidade de compostos extremamente danosos à saúde.
O problema vai além disso: tudo que é queimado em altas temperaturas tem um potencial cancerígeno alto, mesmo quando não tratamos de tabaco — até comida queimada pode ser um risco para a saúde.
Como explicou Tommaso di Giovanni, vice-presidente de comunicações e engajamento da PMI, “o cigarro é queimado a 800, 900 graus, e é aí que se cria uma química diferente e muito pior. São gerados de 6 mil a 7 mil compostos químicos e cerca de 100 deles são tóxicos para a saúde, causando câncer, problemas cardiovasculares e respiratórios”.
A alternativa para diminuir os problemas causados pelo tabagismo seria acabar com o fogo. Para a PMI, trocar fumaça por vapor pode ser a solução tanto para quem quer continuar fumando de maneira “menos danosa” quanto para quem deseja diminuir dosagens até parar com o hábito.
Vale lembrar, porém, que em diversas pesquisas científicas feitas no mundo todo, todo consumo de nicotina causa diversos problemas de saúde, mais especificamente questões cardiovasculares e cânceres. Ou seja, não existe risco zero para a saúde.

Driblar a combustão é suficiente?
Os produtos alternativos ao cigarro que a empresa oferece vão nesse sentido — o caminho do vapor, começando pelos vapes, ou cigarros eletrônicos. Já bem conhecidos do público brasileiro, apesar de sua venda ser ilegal no país, os vapes funcionam da seguinte maneira: um dispositivo eletrônico aquece um líquido feito à base de propileno glicol e glicerina vegetal, ambas substâncias muito usadas na indústria alimentícia como umectante e emulsificante em produtos de panificação principalmente.

Além desses elementos, o líquido, conhecido popularmente como “juice”, contém nicotina e aromatizantes de todos os tipos, que dão o “gostinho” do vapor. Portanto, ele continua causando, sim, os clássicos problemas de saúde do tabagismo, mas seria, segundo a PMI, até 99% menos perigoso justamente pela ausência da combustão — afinal, o juice é apenas vaporizado antes de ser tragado pelo usuário.
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Uma opção apresentada pela PMI um pouco diferente para se consumir nicotina, pelo menos para a realidade brasileira, é na forma de sachê. A prática é supertradicional em países escandinavos, especialmente na Suécia, onde chamam os saquinhos de tabaco de “snus”. Eles são colocados na boca, entre a bochecha e a gengiva, e vão soltando a nicotina aos poucos. A PMI entrou nessa onda com o produto chamado Zyn, que também, por não haver combustão, é considerada uma prática menos danosa que o cigarro tradicional.

Por último, e esse talvez seja o método mais próximo de um cigarro, existe a maior aposta da PMI, o Iqos. Trata-se de um dispositivo eletrônico que aquece um bastão de tabaco especialmente fabricado para o aparelho.
Esse bastão, parecido com um cigarro mais curto e cuja produção pudemos acompanhar em uma moderna fábrica na cidade de Bolonha, na Itália, contém uma espécie de folha de papel embebida em extrato de tabaco que é aquecida a cerca de 300 graus e produz um vapor contendo nicotina. Segundo Tommaso di Giovanni, o método “tem só 5% dos níveis de compostos tóxicos que o cigarro comum”.

Quantidade de nicotina consumida
Na teoria, tudo parece muito interessante. Tentar acabar com um hábito cultural, como o consumo dessas substâncias, sejam elas legais ou ilegais, como o tabaco, o álcool e até mesmo drogas ilícitas, é algo praticamente impossível e inédito na história. Todas as tentativas acabam de uma forma ou de outra sendo burladas por meios escusos que podem ser mais danosos do que uma possível regulamentação responsável.
A dificuldade em medir a quantidade de nicotina consumida por um fumante é um dos motivos pelos quais a PMI é acusada de ocultar a real porção da substância contida em seus produtos de tabaco aquecido. São muitas as variáveis que afetam a ingestão de nicotina, seja o método, seja a maneira como uma pessoa fuma.
Uma reportagem de agosto de 2022 publicada pelo The Bureau of Journalism afirma que um bastão de tabaco usado no Iqos, o dispositivo de tabaco aquecido da PMI, teria oito vezes mais nicotina do que a empresa afirma (4,1 mg contra 0,5 mg). O teste foi feito pela Unisanté, um centro universitário de medicina geral e saúde pública na Suíça. A PMI se defende dizendo que valores de nicotina contida no bastão e inalada pelo usuário são diferentes, e que o teste teria confundido esses números.
Para representantes da empresa, como o cardiologista indiano Dr. Rohan Andrade de Sequeira, o foco da redução de danos é na ausência da combustão dos cerca de 7 mil componentes químicos do cigarro. “Não estou dizendo que vapes e dispositivos de tabaco aquecido são 100% seguros, tudo tem seu risco, mas ele é muito reduzido. Até que, no futuro, possa existir um produto com zero risco para a saúde, quem sabe, temos alternativas menos danosas para quem quer continuar consumindo nicotina”, afirmou o médico.

Comportamento e saúde
Uma das grandes preocupações quando falamos de alternativas para o cigarro é o acesso a esses itens por parte de pessoas que não fumam e adolescentes. Isso porque, normalmente, esses produtos parecem mais fáceis de serem consumidos por quem ainda não tem o hábito de fumar, justamente por serem mais “suaves” do que o tradicional cigarro, trazendo geralmente sabores e aromas mais “acessíveis” para o paladar.
Pensando nessa questão, questionamos Maria Alejandra Medina, coordenadora técnica regional da corporação colombiana Acción Técnica Social (ATS), que trabalha com ações de redução de danos no uso de nicotina e outras substâncias. Segundo ela, a PMI vem buscando maneiras de mudar e oferecer uma abordagem diferente ao hábito de fumar.
Medina considera inevitável a escolha das pessoas em consumir nicotina. Adultos funcionais vão ser livres para usar o que desejam e oferecer a eles métodos menos danosos de fumar é uma maneira de diminuir riscos à saúde. “É bom que as pessoas tenham alternativas e possam escolher entre diferentes padrões de consumo, que façam um ‘gerenciamento do prazer’ e possam consumir uma substância, mas com risco diminuído”, disse a coordenadora.
Ao ser questionada sobre o acesso de jovens e não fumantes a esses produtos de risco reduzido — mas que ainda apresentam grande ameaça para a saúde —, Medina disse que a solução seria a regulamentação. “É muito difícil lidar com a questão do acesso a esses produtos na América Latina porque a proibição deles abre espaço para o mercado paralelo, onde qualquer um pode obter esses dispositivos”, disse a coordenadora. Para ela, mais estudos e dados sobre o consumo e um controle oficial sobre a prática restringiriam o uso apenas a quem quer mitigar os riscos do tabagismo.

Enfrentando o mercado ilícito
Apesar da adoção e liberação em massa de dispositivos de tabaco aquecido e similares em diversos países, grande parte da América Latina, incluindo o Brasil, ainda proíbe sua venda, assim como de vapes ou cigarros eletrônicos. Com isso, inevitavelmente esses produtos acabam chegando ao país de maneiras ilegal, ou pior, falsificações dominam o mercado paralelo.
Considerada pela PMI um dos motivos pelos quais existe acesso indevido a esses dispositivos, a proibição impede que seja feito um controle tanto de qualidade quanto de acesso desses aparelhos. “O Brasil tem 4 milhões de usuários de vapes, e esse número pode ser subestimado. Quando há uma grande demanda por um produto e o governo não permite um suprimento legítimo, isso vai parar nas mãos de redes criminosas”, afirmou Nicolas Otte, chefe global de prevenção ao comércio ilícito da PMI.

“A regulamentação pelo governo é sempre a melhor opção, pois é possível garantir que esses 4 milhões de usuários tenham acesso a um produto seguro e de qualidade e ainda é possível coletar impostos”, continuou Otte. Segundo um estudo feito pela Universidade de São Paulo, o Estado estaria deixando de arrecadar mais de R$ 9 bilhões anualmente com o mercado de vapes e dispositivos de tabaco aquecido.
Otte compara a proibição desses produtos com a Lei Seca nos Estados Unidos nos anos 1920, que teria sido a fagulha inicial para o crime organizado que ficou mundialmente famoso, a “Máfia”. “O governo queria enfrentar as consequências negativas do consumo de álcool, o que é ótimo, mas em vez de educar e conscientizar, proibiu. A demanda nunca parou e isso aumentou a criminalidade”, ele concluiu.
Para o CEO da PMI, Jacek Olczak, que falou para os participantes do evento Technovation 2025 na cidade de Neuchâtel, na Suíça, “é uma estupidez impedir que pessoas possam usar legalmente um produto menos danoso do que aquilo que já usam [referindo-se ao cigarro convencional]”. Para Tommaso di Giovanni, a tendência ao usar essas alternativas é, surpreendentemente, de redução no tabagismo. “Tudo que é proibido acaba tendo um aumento no consumo, e risco muito maior”, ele concluiu.
Fonte: TecMundo